Uso o transporte público da capital gaúcha 2 dias por semana, no mínimo, há quase um ano, para chegar ao campus da universidade e, como se o "meio" emulasse o "fim", aprendi nos vagões do Trensurb e nos carros da Carris coisas interessantes.
A que dentre todas mais me compeliu a escrever novamente, depois de um hiato que deve ter feito a alegria dos críticos da minha medíocre produção textual ("Escritor de araque... nem se recorda sobre o dativo!"), é tão patética para mim que supera até a falta de cordialidade dos jovens que, encarando um idoso ou uma idosa, não lhe cedem o lugar sentado.
O que me incomoda e entristece é a frieza do veículo e dos passageiros, causada pela tecnologia. Ora, nos tempos em que os charmosos bondes cruzavam as cidades, o trajeto era mais lento, porém menos truculento e mais agradável! Condutor e cobrador vestiam-se de maneira não menos que elegante e todos os passageiros aprumavam-se para embarcar no transporte. Era um acontecimento! E muitos relacionamentos (amizades, sociedades e até casamentos) podiam surgir entre os habituais companheiros de viagem.
O que vejo, contudo, em minha rotina é o contrário. Claro, talvez uma roupa demasiadamente fina para os transportes coletivos atuais fosse um exagero e causasse estranheza. Mas a cordialidade nunca deveria ser posta de lado pelo simples passar do tempo.
Tudo contribui para que aqueles relacionamentos dos bondes não possam ser vividos no trem ou no ônibus atual: a velocidade maior, o barulho mais intenso, a tediosa rotina que tornou-se o uso de um transporte desse tipo... As tecnologias paralelas jogam mais uma pá de terra sobre o túmulo: MP3 Players e celulares são barreiras muito maiores que um jovial e convidativo livro. Podia-se perguntar "O que está lendo?" para encabeçar um diálogo que tornasse o percurso mais agradável, mas "O que está ouvindo?" é uma forma muito invasiva de tentar contato. Interromper uma ligação, então, é total falta de etiqueta. (E isso me lembra de Nelson Rodrigues: "O desenvolvimento humaniza a máquina e maquiniza o homem".)
Mas a forma menos retribuida e mais ingrata de tentar estabelecer contato, de tentar ser simpático é o simples, inocente e quase idílico sorriso. Poucos retribuem um sorriso, na melhor das hipóteses. Na pior, hão de achar que o sorridente é um maníaco, um sociopata tentando atrair uma vítima.
É como se a neurose popular quanto aos maníacos que sorriem de maneira intencionalmente inocente tomasse conta de todos os passageiros e ninguém mais acreditasse em um sorriso sincero e amistoso. Já aconteceu comigo de sorrir para outro passageiro e o mesmo me olhar de viés, com uma expressão de desconfiança, como se eu fosse um mercador de rua lhe oferecendo uma droga ilícita e obscena.
Meu desgosto com essa aridez anímica só é superada pela rara e cristalina sensação de receber o sorriso ou uma resposta. Como é bonita uma amizade que já em suas raízes contraria a perversa lógica das relações modernas. Ainda existem, graças a Deus, os que sabem que não é crime sorrir.